Lobo no meio de rochas

A Evolução do Lobo Selvagem até ao Cão Doméstico: Uma Caminhada de Milhares de Anos

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A relação entre o lobo selvagem e o cão doméstico remonta a milhares de anos e representa um dos exemplos mais fascinantes de evolução e domesticação no reino animal. A transformação do lobo, um predador selvagem, no cão doméstico, companheiro humano por excelência (considerado por muitos o “melhor amigo do Homem”), não é apenas uma história de adaptação, mas também de evolução conjunta interespécie, onde os dois animais, o lobo e o ser humano, interagiram de maneira a alterar o curso da evolução de ambas as espécies. Este artigo explora como o lobo selvagem evoluiu para o cão moderno, um processo que envolveu mudanças comportamentais, fisiológicas e genéticas.

1. O Lobo Selvagem

O lobo (Canis lupus) é o ancestral direto dos cães domésticos. Acredita-se que os lobos modernos surgiram há cerca de 300.000 a 400.000 anos na região da Eurásia, adaptando-se a uma variedade de habitats, desde florestas densas até as planícies abertas. Os lobos eram predadores sociais, vivendo em matilhas altamente organizadas com uma hierarquia social complexa. As sua competências de caça e adaptação a diferentes ambientes tornaram-nos uma das espécies mais bem-sucedidas no reino animal.

Os primeiros lobos, tal como aqueles que vivem hoje em dia, eram carnívoros predadores que caçavam em grupos para capturar presas grandes, como veados, bisontes ou alces. Apesar disto os lobos não eram apenas caçadores ferozes, eram também oportunistas, comendo carne de animais já mortos previamente, apanhando também bagas e frutas e ainda procurando alimentos em locais próximos a pequenas povoações de humanos primitivos, onde podiam encontrar restos alimentares. Foi esta ultíma característica da alimentação do lobo selvagem, ou seja, a proximidade com os seres humanos, que iniciou o processo de domesticação, embora tenha sido um processo bastante gradual.

2. O Início da Domesticação: A Coexistência com os Humanos

A domesticação do lobo começou há cerca de 15.000 a 20.000 anos, embora alguns estudos sugiram que o processo possa ter começado ainda mais cedo, possivelmente durante a Idade do Gelo. Durante esse período, as sociedades humanas eram predominantemente caçadoras e coletoras, e os lobos começaram a perceber que os acampamentos humanos poderiam ser uma fonte consistente de comida. Acreditamos que esta razão foi a causa que levou a uma relação mútua de benefício entre o ser humano e os lobos. Enquanto que o lobo oferecia vigilância e proteção contra outros predadores (de várias formas diferentes, desde avisar a próximidade de outro ser vivo até a protegerem fisicamente os acampamentos), os seres humanos ofereciam comida aos lobos, que muitas vezes não é de todo garantida na Natureza, seja devido à escassez da mesma ou á competição tanto inter como intra espécie. .

Esta relação simbiótica foi o ponto de partida para a domesticação. Os lobos mais tolerantes e menos agressivos em relação aos humanos começavam a aproximar-se cada vez mais dos acampamentos. Através de uma seleção natural, aqueles lobos com temperamentos mais dóceis e comportamentos mais cooperativos eram mais bem-sucedidos em coabitar com os seres humanos, enquanto os mais agressivos e ariscos eram menos favorecidos. Gradualmente, estes lobos domesticados começaram a distinguir-se dos lobos selvagens, desenvolvendo características comportamentais (aumentando gradualmente a docilidade do lobo para com o ser humano) e mesmo físicas diferentes por se cruzarem maioritáriamente entre eles (cruzamento entre os lobos que coabiatavam com os seres humanos).

3. Seleção Artificial e a Formação das Primeiras Raças de Cães

Com o passar dos anos, a interação entre lobos e humanos tornou-se cada vez mais próxima. No entanto, foi a seleção artificial que desempenhou um papel crucial na formação das primeiras raças de cães. Ao longo de muitas gerações, os humanos começaram a selecionar lobos com características específicas que atendiam às suas necessidades para se cruzarem entre eles com objetivos específicos. Selecionavam-se por exemplo os lobos maiores, mais destemidos e por vezes mais agéis para se cruzarem entre eles com o objectivo dos seus descendentes terem as características certa para ajudar na protecção das suas povoações ou acampamentos. Selecionavam-se por exemplo cães extremamente fortes e com um tamanho grande para se cruzarem entre eles com o objectivo dos seus descendentes terem características adequadas para a caça. Selecionavam os lobos mais ágeis, rápidos, destemidos e por vezes com tamanhos um pouco menores com o objectivo de os seus descendentes terem as aptidões certas para ajudar no Pastoreio. Obviamente que estes exemplos estão extremamente resumidos e são extremamente hipotéticos, na medida em que se selecionavam inumeras características físicas e comportamentais não mencionadas. Este tipo de seleção artificial repetida ao longo de gerações levou ao aparecimento das primeiras raças de cães e ao aparecimento dos primeiros “cães de trabalho” na media em que desempenhavam funções ao lado do ser humano. Começámos a ter as primeiras raças de cães de caça, de cães de pastoreio, e de cães de guarda, entre outras funções.

Com a continuação da evolução da coabitação do ser humano com o lobo/cão , e evoluindo o ser humano desde viver em pequenas povoações ou acampamentos, até viver em grandes centros populacionais, e com o continuar da seleção entre os cães já existentes na sua busca de descendentes preparados para desempenhar novas funções para colmatar as novas necessidade que advinham do progresso como sociedade, começam a nascer cada vez mais raças cada vez mais diferenciadas entre si, quer a nível comportamental, quer a nível fisiológico, devido à função/necessidade que o ser humano estava a tentar colmatar com aquela seleção. Por exemplo o aparecimento de raças mais pequenas desenvolvidas ao longo do tempo com objetivos específicos, principalmente o controle de pragas e, em alguns casos, até para gerar energia elétrica, embora este último seja menos comum. Por exemplo, foram selecionados cães mais pequenos e com focinhos compridos (obviamente houveram muitas mais características a serem selecionadas) para cruzarem entre si, e ao longo de gerações  foram ganhando cada vez mais aptdião física e mental para caçar roedores e outros animais pequenos. Essas raças tinham geralmente um porte pequeno e uma grande agilidade, o que as tornava eficazes para caçar ratos, toupeiras entre outros, ajudando a manter a higiene e a saúde de áreas rurais, agrícolas e até em navios. Eventualmente mais à frente quando começam a aparecer as primeiras formas de gerar energia, foram usados cães pequenos e com bastante agilidade para de forma indireta para energia, através de atividades como a rotação de rodas ou mecanismos semelhantes.

É importante mencionar que este processo apesar de gradual, nem sempre foi consistente nem constante. 

A diversidade de raças caninas que conhecemos hoje, desde os pequenos Chihuahuas ou Jack Russels até ás raças grandes como os Mastins ou São Bernardos, é o resultado de uma intensa seleção artificial genética. Os seres humanos, ao longo da história, escolheram intencionalmente os cães com os traços que mais desejavam, seja a capacidade de caçar, proteger ou simplesmente a docilidade. Isso resultou na diversificação das raças caninas e na adaptação dos cães a diferentes funções, condições ambientais e estilos de vida humanos. 

Consequências Positivas da domesticação

A transformação do lobo em cão trouxe inúmeras vantagens ao ser humano e mesmo a várias das raças foram criadas. Vamos mencionar algumas delas.

Companheirismo e Apoio Emocional

Os cães tornaram-se numa fonte importante de apoio emocional e companheirismo para os seres humanos, ajudando a combater a solidão e promovendo o bem-estar psicológico. A relação estreita entre cães e humanos pode reduzir o estresse e melhorar a qualidade de vida tanto para o ser humano como para o próprio cão. É por estas razões que os cães são utilizados em terapias assistidas, onde proporcionam alívio emocional para pessoas com transtornos psicológicos, com doenças crônicas, com dificuldades motoras ou apenas idosas.

Cães de Trabalho

As raças criadas e selecionadas para vários fins trazem inumeras vantagens ao ser humano, trabalhando em parceria com eles. Alguns eemplos de tipos de cães de trabalho que existem hoje em dia e que por essa razão nos trazem vantagens seriam: 

  • Cães de Guarda e protecção familiar;
  • Cães de Pastoreio;
  • Cães de Policiais/Militares;
  • Cães de Cão Guia;
  • Cães de Busca e Salvamento;
  • Cães de Detecção (drogas, explosivos, etc…);
  • Cães de Caça;
  • Cães de alerta médico (para doenças);

Saúde

Ter um cão geralmente motiva e obriga os donos a sairem mais e a fazerem mais exercício físico nem que seja apenas mantendo rotinas de passeios diários com o seu melhor amigo. Existem estudos que indicam que a presença de um cão no seu seio familiar pode ajudar a reduzir a pressão arterial, diminuir o risco de doenças cardíacas e até melhorar o sistema imunológico devido ao aumento da atividade física e inclusivé ao próprio contacto com o animal.

Pesquisas e avanços científicos 

Os Cães desempenham um papel importante em pesquisas científicas, especialmente na medicina veterinária e humana. São muitas vezes usados como modelos para estudar doenças genéticas, tratamentos para o câncer e até o envelhecimento.

Consequências Negativas da Domesticação

Embora a domesticação do cão tenha trazido inúmeros benefícios quer para o ser humano quer para o cão, também existem consequências negativas que merecem ser mencionadas. Vamos falar de algumas delas.

Perda de Instintos naturais

 Ao longo dos séculos, os cães foram selecionados e posteriormente criados e selecionados para desenvolverem funções específicas. No entanto, com a evolução da sociedade e com a evolução da nossa tecnologia, o cão passou a ser visto mais como um animal fofinho do que como um predador altamente funcional. Por esta razão, e especialmente nos últimos anos, têm sido feita uma quantidade enorme de criação e de seleção errada, dando prioridade à beleza e ao ser fofinho, nem sempre se selecionando características funcionais para o trabalho ou mesmo para o carácter, o temperamento e no fundo o equilibrio dos cães. Por consequência, cada vez mais o normal é termos cães que não se sabem proteger, são medrosos, não têm instintos que os permitam ultrapassar dificuldades, são inseguros e ansiosos.

Falta de Estímulo 

Devido à seleção artificial feita durante milénios, e devido à valorização de algumas raças específicas, existem raças e linhagens especifícas dentro de algumas raças que são extremamente valorizadas para o trabalho e altamente funcionais. Aliás, essas características desenvolvidas para um tipo de função específica tornam a necessidade de uma estimulação física e mental a cima da média obrigatórias para indivíduos dessas raças e linhagens, para que estes sejam felizes, podendo precisar mesmo de desempenhar a função para serem também equilibrados.

Por esta razão, muitas vezes, donos inexperientes ou com rotinas inadequadas àquelas raças ou linhagens acabam por não conseguir estimular o seu cão da forma correcta e no mínimo terão um cão infeliz para o resto da vida e no máximo terão um cão desiquilibrado e cheio de patologias comportamentais. Isto é quando não o abandonam ou entregam para adopção. Por esta razão, infelizmente tornam-se cada vez mais comuns animais errantes ou mesmo canis cheios de cães que nunca mais verão um lar. 

O Peluche

Tal como mencionado previamente a coabitação ao longo de milénios com os cães tornou a nossa visão do cão muitas vezes um pouco deturpada. A nossa sociedade (pessoas comuns) vê cada vez mais o cão como um animalzinho muito lindinho e muito fofinho e muito amorosinho. E na verdade o cão também é um animal fofo e amoroso. E sim, devemos dar todo o amor e carinho que pudermos dar. Mas ao contrário do que se costuma pensar, o amor não é, de todo, a solução para todos os problemas comportamentais do cão, é apenas uma parte da equação. Por esta razão, e sem conhecimentos sólidos sobre o que é um cão, o que é a psicologia canina, quais são as necessidade de um cão para realmente ser feliz e equilibrado, e pela romantização nos média (desde filmes que romantizam o entendimento do cão até a narrativas utópicas de cegueira ideológica) as pessoas adquirem cães como se não fossem compromissos de 10 a 15 anos de uma vida à sua responsabilidade. Não interessa se têm tempo, se têm conhecimento, se têm perfil para aquela raça ou para aquele cão. O que importa é tê-lo. Seja por estatuto. Seja para preencher vazios emocionais. Seja porque é fofinho. Por esta falta de conhecimento, a maior parte das pessoas faz uma gestão muito errada  dos cães e acaba a provocar inumeras patologias comportamentais nos seus cães. Mesmo aqueles que estão a vida toda com uma família que os “ama”, na sua maioria as necessidades dos cães não estão a ser preenchidas. 

Conclusão

A transformação do lobo selvagem até chegar ao cão doméstico foi um processo bastante longo e gradual, que envolveu não só alterações comportamentais como também alterações fisiológicas. Esta caminhada de domesticação não foi um evento isolado, mas sim o resultado de uma coevolução contínua entre humanos e lobos, tendo como base uma relação simbiótica. O que começou com uma simples troca quase contratual, ou seja, comida em troca de protecção, evoluiu para o desenvolvimento de uma das mais importantes e íntimas relações interespécies da história, o homem e o cão. Hoje, o cão não é apenas um reflexo do lobo, mas também um testemunho da capacidade dos seres humanos de transformar a natureza em algo profundamente interligado com as suas próprias necessidades e desejos. Existem inúmeros benefícios para os cães e para os seres humanos nesta relação simbiótica, mas tem de ser feita uma melhor desmistificação das necessidades das diversas raças assim como dos diferentes indivíduos de cada raça, e das responsabilidades de qualquer dono/tutor de um cão. A nosso ver, o cão é o animal mais incrível à face da terra e devemos continuar a procurar formas de melhorar a sua vida!

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