A obediência no mundo canino é um elemento fundamental na relação entre os donos/tutores e os seus cães, sendo esta uma ferramenta essencial (que deveria ser obrigatória) para garantir o bem-estar, não só em casa no seio familiar, como também num contexto social para manter a segurança e a harmonia com amigos, estranhos, crianças, adultos, idosos e outros animais na via pública. Para além de ser importante saber como ensinar ao cão a obediência no nível desejado, é de extrema importância que os donos/tutores saibam o que é necessário para manter o seu próprio cão equilibrado, obediente e feliz (informações essas que são dificéis de obter sem contactar um bom profissional, especialmente com a quantidade de desinformação e fanatismo que existe hoje em dia no mundo canino). Embora o conceito de obediência seja muitas vezes visto como algo simples e fácil, este pensamento não poderia estar mais distante da verdade. Tirando a obediência básica, que geralmente é simples e fácil de ensinar, as outras obediências não o são de todo. Chego a ter clientes, e eu gosto de dizer a brincar e de forma exagerada, que chegam a pensar que nós treinadores somos mágicos, que vamos benzer o cão ou ordená-lo cavaleiro e que o cão passará a saber tudo do dia para a noite. A obediência fiável, para ser atingida deve ser feita com a metodologia certa, com as ferramentas certas, com as regras e rotinas certas para o cão específico que queremos treinar, respeitando os princípios básicos do adestramento, tendo em conta a raça, as características únicas daqueles indivíduo, o tamanho, o peso, a idade, a função do cão, os objetivos dos donos, o bem estar físico e mental do animal, os traços de personalidade ligados ao caráter e ao temperamento, as qualidades intrínsecas do cão, os seus instintos (mais ou menos desenvolvidos) e as suas linhagens e carga genética.
Neste artigo vamos abordar as diferenças entre os três níveis de obediência canina, a Obediência Básica, a Obediência Social, e a Obediência Avançada, explicando as características e os objetivos de cada uma delas.
Obediência Básica
A Obediência Básica é aquilo que qualquer pessoa sem formação consegue fazer de forma amadora, seja por experiência passada com outros animais, seja por ver “uns videos na internet”. Ensinar o seu cão a fazer a chamada (normalmente designado como o comando “aqui”), a fazer um senta, a fazer um deita, a ir para a caminha, ou algum outro comportamento simples.
Este nível de obediência é fundamental para estabelecer uma comunicação clara entre o cão e o seu dono, permitindo que o cão compreenda e execute comandos básicos que são indispensáveis no dia a dia.
O problema é que geralmente, nesta obediência o cão executa os comandos e/ou comportamentos ensinados em casa quando não há dificuldades ou distrações mais interessantes que a sua interação com o dono/tutor ou do que a recompensa que poderá receber do mesmo. Quando há visitas em casa, ou quando saímos para a rua o cão deixa de obedecer aos comandos de todo ou apenas de forma consistente, ou ainda deixa de manter comportamentos simples previamente “aprendidos”, porque tudo é mais interessante, ou seja, os comandos e/ou comportamentos aprendidos não são de todo fiáveis. Por esta razão, e por ser um trabalho, na nossa opinião, extremamente amador e com poucos benefícios, nós na cãomaradagem não vendemos este serviço excepto em situações específicas e de força maior.
Apesar da obediência básica ser atingível sem ajuda de um profissional e o dono/tutor conseguir geralmente criar um sistema de comunicação com o cão, na maior parte das vezes este sistema está na maior parte dos casos longe do funcional e ainda mais longe do ideal ou perfeito. Pelo que, mesmo para uma obediência básica, e ainda para que o dono/tutor saiba as rotinas e regras ideais para adoptar com o seu cãomarada, este deveria sempre recorrer a um bom profissional.
Obediência Social
Obediência Social é aquela que consideramos que deveria ser obrigatória para todos os cães. Obediência Social é aquela em que o cão obedece/cumpre em qualquer situação social. Ou seja, o cão obedece aos comandos de obediência e de educação, neste caso o junto, a chamada (aqui), o senta, o deita, o quieto, e o larga, em qualquer contexto social, ou seja, em qualquer localização, em qualquer condição atmosférica, sob qualquer distracção, desde barulhos, objectos ou seres vivos parados ou em movimento. Além de tudo isto existem ainda comportamentos aprendidos que não precisam de comando, como por exemplo o cão aprender a estar e a manter-se calmo quer em casa quer na rua. Como por exemplo aprender onde fazer as suas necessidades, perceber quais os momentos para brincar, correr, ladrar, saltar, e quais os momentos para se manter neutro.
Para que estes comandos e comportamentos sejam fiáveis já é necessária a ajuda de um profissional e de metodologias e por vezes ferramentas de treino que só os verdadeiros profissionais sabem usar. É preciso treinar o cão tendo em conta a raça, as características únicas daquele indivíduo, o tamanho, o peso, a idade, a função do cão, os objetivos dos donos, o bem estar físico e mental do animal, os traços de personalidade ligados ao caráter e ao temperamento, as qualidades intrínsecas do cão, tendo em conta ainda os seus instintos (mais ou menos desenvolvidos), as suas linhagens e a sua carga genética.
A exigência e elegância destes comportamentos dependem apenas daquilo que o dono/tutor e o treinador querem para o cão em questão, a cima de tudo, tem de ser um trabalho funcional para o dia a dia do dono/tutor e da família do cão, não precisa de ser levado a um extremo de elegância como existe em alguns cães de trabalho.
Para um trabalho de Obediência Social fiável e sem o cão depender de andarmos sempre com a recompensa para aqui ou para ali, precisamos de no mínimo dos mínimos, num cão/caso muito fácil, de cerca de 5 a 6 meses de trabalho diário. Na sua maioria, para atingir uma Obediência Social Fiável, da forma correcta e trazendo ao de cima o potencial máximo de cada cão precisamos de cerca de 9 meses a 1 ano de trabalho diário. Há ainda situações mais dificéis nas quais o cão terá muitas dificuldades em aprender devido às várias condicionantes para a aprendizagem e para a evolução do cão que podem superar 1 ano de trabalho diário, embora estas situações sejam raras.
Obediência Avançada
O principal objetivo da Obediência Avançada é tornar o cão altamente disciplinado, capaz de executar comandos imediatos com precisão, confiança, e fiabilidade máximas mesmo em contextos extremamente desafiantes, ou seja, esta é a obediência ensinada em cães de trabalho, seja utilizada pelos donos/tutores que desejam participar em competições desportivas ou que necessitam de cães altamente treinados para funções especializadas tal como os cães policiais e militares, cães de busca e salvamento, cães de caça, cães guias, entre outros.
Implica uma dedicação, um conhecimento e um número de horas de treino muito superiores àqueles que são necessários para a Obediência Social. Os comandos de Obediência Social podem estar ou podem não estar incluídos dependendo do tipo de trabalho que o cão tem, desde que o trabalho do cão seja sempre fiável. A obediência Avançada além de fiável pode ser também extremamente elegante e roçar a perfeição.
Exemplos de comandos e de exercícios de Obedîencia Avançada são por exemplo o junto focado, a chamada (aqui), a chamada a partir de um quieto, o senta, o deita, o de pé, o quieto sob distracções, as posições, as posições à distância, o senta em andamento, o “deita” em andamento, o frente, o discernimento olfativo (desportivo ou deteção de odores como drogas, explosivos, pólvora, pessoas vivas, cadáveres, sangue, etc), a procura, o andamento tático militar, a escolta, o apport, a recusa de comida (Desportiva ou real), o ataque (morder), o ataque interrompido (interromper o ataque antes de conseguir de facto morder o “bandido”), o larga, entre tantos outros, sempre executados com fiabilidade superior à Obediência o Social.
Alguns Equivocos habituais
Há vários equívocos e mitos habituais no dono/tutor comum. Vou mencionar 6 deles, mas existem bastante mais.
Cães robôs
Muitas pessoas acham que se adestrarem/treinarem o seu cão em obediência social ou em obediência avançada vão condicionar o cão ao ponto de ser um cão “robô” ou ao ponto de perderem personalidade.
Na verdade, é o oposto. Com a Obediência Social, com regras e rotinas claras, com a confiança e a ligação que ganham no adestramento e no treino, devido a superarem sucessivos obstáculos, o cão passa a ter claro na sua cabeça o que pode e o que não pode fazer, aquilo de que é capaz, e com a fiabilidade dos comandos o cão pode usufruir muito melhor da sua liberdade e continuar a construir a sua personalidade única. Se o adestramento for bem feito o cão não só se torna mais confiante, como pode ter a liberdade necessária para desenvolver mais a sua personalidade sem que se ponha em risco devido à fiabilidade da sua obediência.
Dependendo se é um cão de casa/companhia ou um cão de trabalho o cão continua a ter entre 95% a 70% do seu tempo de vida sem estar sob um comando respetivamente. Os comandos em Obediência Social tornam-se apenas sistemas de segurança e de fiabilidade para o cão, para as famílias e para a sociedade no dia a dia. No caso dos Cães de trabalho (que são criados e selecionados desde pequenos para a sua função) são mais do que comandos, são o momento favorito do dia do cão. Cães criados e selecionados para o trabalho, não só precisam do trabalho para serem felizes, como precisam de toda essa estimulação física e mental para serem equilibrados.
Com o meu outro cão funcionou
Muitas pessoas e clientes tiveram na sua vida cães fáceis, ou cães com patologias comportamentais que podem de alguma forma mimicar uma obediência fiável (por exemplo cães medrosos e inseguros não sairem de perto dos donos mesmo na rua). Por esta razão pensam que ensinar um cão é fácil ou que aquilo que funcionou com um cão funcionará com outro, ou vivem até na ilusão de que o seu cão antigo era feliz e “percebia tudo o que o dono dizia”.
Na maior parte dos casos estas pessoas nem nunca tiveram um cão 100% equilibrado, e ao contrário do que pensam provavelmente não era sequer feliz, e o potencial máximo desse cão foi perdido. O maior erro dos donos/tutores e mesmo de alguns treinadores é acharem que o treino deve ser igual para todos os cães. Sem a adaptação constante a cada indivíduo nunca traremos ao de cima o potencial máximo de cada cão, e muito menos teremos um cão equilibrado, obediente e feliz.
O meu cão tem um quintal enorme e por isso é feliz
Sem uma extrutura de regras e rotinas claras, sem treino, e sem estimulação física e mental feita da forma correcta, os cães não são nem metade daquilo que poderiam ser, nem são tão felizes como poderiam ser, mesmo tendo um quintal enorme para passar o dia a fazerem aquilo que quiserem. Aliás, bastantes patologias comportamentais são causadas por esta falta de estrutura e de regras. Um cão com uma patologia comportamental nunca poderá ter o seu potencial máximo ao de cima. Se o cão passa o tempo todo em “auto-gestão” e constantemente a correr de um lado para o outro e em liberdade máxima com acesso a tudo, na cabeça do cão ele é o líder. Além disso, como está constantemente em movimento, o cão tem tendência em criar uma condição física superior à desejada, o que na maior parte dos casos faz com que a estimulação física e mentyal do cão nunca sejam suficientes (mesmo que sejam até superiores ao que aquele cão precisaria), uma vez que o cão após descansar um pouco, já está pronto e precisa de mais estimulação. Este assunto é extremamente complexo e tem mais variáveis, mas regra geral, o facto do cão ter o quintal ou o terreno só por ter e à sua total disposição, sem regras e sem estrutura que possam tirar partido desse espaço da forma correcta, é mais prejudicial do que benéfico a nivel comportamental.
Isso é normal
A maior parte das pessoas e dos clientes, sem terem acesso à informação correta, e com o constante crescimento de informação errada a ser publicada, acham que é normal o cão ficar ansioso sempre que se sai de casa, pensam que é normal aquela raça específica ser medrosa ou aquela raça específica ter uma patologia comportamental de agressividade, pensam que é normal ter de sair de casa a cada 2 horas caso contrário o cão fará as necessidades em casa, pensam que é normal inúmeras das coisas que fazem no dia a dia, e na verdade a probabilidade é que estejam a fazer quase tudo ao contrário do que devem para serem bons tutores/donos e contribuírem para o equilíbrio, obediência, segurança e para a felicidade do cão.
Não preciso de um treinador para ensinar o meu cão
Na Obediência Básica, mesmo fazendo várias coisas erradas, muitas vezes o dono/tutor consegue de alguma forma ter uma comunicação suficiente.
Apesar de nesta obediência ser possível a comunicação suficiente, na maior parte dos casos o dono/tutor está a fazer muitas coisas erradas no que toca ás necessidades de estimulação física e mental dos cães, assim como nas regras de casa e a forma de recompensar e corrigir (comunicação direta com o cão) o que respectivamente são comportamentos desejados ou indesejados do cão, o que não permite a comunicação perfeita nem a prevenção de desenvolvimento de patologias comportamentais.
Para a Obediência Social Fiável ou para a Obediência Avançada é sempre necessário o apoio de um bom profissional, bastante tempo e dedicação diárias. Mesmo na Obediência Básica é sempre vantajoso recorrer a um profissional.
Ele sabe
Muitos dos clientes que nos contactam porque precisam de ajuda, insistem em tentar mostrar que o cão sabe um ou vários comandos que só executa ao fim de o repetirem 10 vezes, e num contexto sem distrações. Muitos donos/tutores acham que o cão percebe a comunicação que estão a ter com ele quando corrigem ou quando recompensam o cão, acham que o cão percebe que está a fazer errado e o faz por “pirraça”, acham que o cão percebe tudo o que eles dizem. Infelizmente isto continua a ser apenas um mito. A comunicação clara entre os donos/tutores e o cão exige conhecimento, sabedoria, regras, rotinas, metodologias e ferramentas de trabalho que a maior parte das pessoas não tem.
Conclusão
A obediência canina é um aspecto crucial do desenvolvimento de um cão equilibrado, confiante, obediente, educado, seguro e feliz! Cada nível de obediência, seja Obediência Básica, Social ou Avançada, oferece alguma coisa para melhorar o comportamento do cão no seu dia a dia. Compreender as diferenças entre esses níveis de treino permite que os donos escolham o melhor tipo de treino ou adestramento para as necessidades da sua família e do seu cão e para as exigências do seu estilo de vida.
Obediência Básica – É a forma de ter uma relação melhor com o seu cão em casa e poder comunicar com ele em contextos simples e sem distrações;
Obediência Social – É o controlo verbal fiável do cão em qualquer contexto social nos comandos de obediência e de educação;
Obediência Avançada – É uma obediência extremamente exigente, fiável e avançada ensinada em cães de trabalho.
Do nosso ponto de vista a Obediência Social deveria ser obrigatória por lei para que todo e qualquer dono tivesse a informação do seu lado e saber como corrigir e recompensar da forma correcta o seu cão específico, para que os donos/tutores saibam as necessidades de gasto de energia físico e mental do seu cão específico e como as estimularem da forma correcta.